27.9.04

O kit

A minha estreia em teatro foi, estranhamente, como encenador. Estranhamente, porque não é habitual a primeira experiência profissional de alguém em teatro passar de imediato pela encenação. E também porque, passados seis anos, acredito cada vez menos na figura do encenador, tal como a conhecemos. Mas adiante. Não é isto o essencial.
Serve esta introdução apenas para recordar a prenda que os actores desse primeiro espectáculo que encenei me deram no meu dia de anos. Faltava cerca de um mês antes para a estreia. A prenda vinha dentro de uma caixa de sapatos. Eles chamaram-lhe «kit de encenação». Um bloco de notas, uma caneta, um relógio e um cinzeiro.
Agora, nas Urgências reencontro algumas pessoas que participaram nesse meu primeiro espectáculo - a Cláudia Jardim e a Joana Seixas. Amanhã, no ensaios no Maria Matos, vou dizer-lhes que continuo a usar a prenda que me deram. Apesar de não assumir o meu papel neste projecto propriamente como o de um encenador, participo na construção de todas as peças curtas das Urgências. Numa sou autor e noutra actor. Nas cinco restantes, estarei sentado na plateia, tentando ajudar o autor e actores de cada peça a contruir as suas Urgências.
Amanhã vou pôr uma mesa entre a quarta e quinta filas. Em cima dela o meu kit de encenador. Porventura será outro bloco de notas, outra caneta, outro relógio e outro cinzeiro. Mas o entusiasmo, o prazer, a angústia e a esperança, essas são as mesmas de quando me estreei.
TR