21.10.04

O berlinde

Na azáfama própria dos últimos minutos antes da estreia, a Joana Seixas distribuiu berlindes no corredor dos camarins. Um berlinde para cada um, actores e autores, para desejar "boa sorte" e "jogarmos no fim".
Durante as duas horas de espectáculo, não tirei o meu berlinde das mãos. Lembrei-me de várias coisas: de que era um excelente artifício anti-stress; de que nunca fui bom a jogar ao berlinde; de que me tinha esquecido deste objecto, da sua beleza colorida, das memórias imediatas para que nos remete - infância, saquinhos de rede, abafadores, pátios de escola.

O berlinde, entretanto, já está lascado e perdeu alguma cor. É irresistível deixá-lo pular no chão, jogá-lo contra as paredes, arriscar uma jogada contra um adversário imaginário. Mas está todos os dias no meu bolso. Nos dias de espectáculo, nos dias em que não há, durante o horário de trabalho e às horas das refeições. Para me recordar que há um jogo por jogar, uma boa sorte a manter e para que nunca me esqueça do novo pátio de escola que este grupo encontrou: o recreio do Maria Matos, o pátio que é o palco, o sítio onde podemos brincar como dantes - pensando apenas no momento presente, sem as preocupações do antes e os receios do depois.

É isto que me fica da estreia. Um berlinde. Quer dizer, um objecto para guardar as memórias do tempo que aqui passámos. A verdade é que, tal como em todas as relações que terminam, uma estreia é apenas um período efémero, um intervalo no tempo, uma noite memorável. Mas um objecto que se conserva a partir dessa memória é já algo mais. É um símbolo. E os símbolos arriscam sinceramente a imortalidade. LFB